Meu caderno não tinha orelha.
Quando se é criança tudo o que acontece, por menor que seja, tem um impacto enorme na nossa vida. Desde a emoção de se ganhar exatamente o que se pediu de presente de natal, até a vergonha de levar um tombão na saída da escola. É assim que nascem os traumas. E aí vai a lista dos meus....
Traumas da minha infância
1. A mão direita é a mão que você usa pra escrever.
Jardim de infância. Hora de cantar o hino nacional. A professora diz pra colocar a mão direita no peito.
- Tia, qual é a mão direita ?
- É a mão que você segura o lápis.
- Mas tia, eu seguro o lápis com as duas mãos! (será que eu sou algum tipo de super criança?)
- É a mão que você usa pra escrever, Juju.
- Ah! - e colocava orgulhosa a mão esquerda no peito.
- Não Juju, é a outra mão - aí a Tia passava de amorosa para vaca-totalmente-sem-paciencia e colocava minha mão direita no peito.
Foi assim algumas vezes até eu repetir pra mim mesma que a tia não sabia nada. A mão direita é a mão onde eu tenho uma pintinha meio torta.
2. ...ponto final. Pula uma linha, parágrafo, travessão, letra maiúscula!
Essas malditas frases de professoras primarias sempre traumatizam. Essa frase, dita na hora do maltido ditado na 1ª série me deixou traumatizada porque apesar de repetir isso trocentas vezes em cada ditado, quando eu botava o ponto final na ultima linha de uma folha eu nunca sabia se tinha que pular uma linha antes de começar na outra folha. Mas minha dúvida não tinha resposta porque antes de pensar em perguntar alguma coisa eu ouvia "Fiquem quietos! Prestem atenção porque eu não vou repetir!!!" , e tinha rapidamente que resolver por mim mesma, sem saber se estava fazendo certo ou errado.
3. Mas eu não fiz nada!!!
Foi na 4ª série. Culpa do Guilherme que ficou enxendo o saco da professora. Na hora do recreio ela proibiu todo mundo de sair da sala. Justo no dia em que eu tinha levado dinheiro pra comprar lanche! Ah, eu comecei a chorar. Abri o maior berreiro mesmo! E a professora, coitada, ficou completamente sem graça de ver uma criança, assim, tão quietinha e comportada, fazer o maior escandalo, fez o que qualquer pessoa faria. Me mandou pra sala da diretora. Trauma.
4. Sua idiotaaaaaa!!!
Na 6ª série eu gostava do Gilberto. Ah, quando a gente é criança gosta de um monte de gente. Na aula de educação física nós jogamos futebol e eu fiquei no time dele. Numa sobra de bola, meio que como um milagre, ficaram eu, a boa e o gol, meio feito cena de filme. Eu chutei e a bola entrou. Saí correndo pra comemorar o gol com meus colegas de time e corri de braços abertos em direção ao Gilberto, e foi aí que eu vi ele gritando com a maior cara feia, me xingando de tudo quanto é nome. Eu havia feito gol contra. Trauma.
É isso. Todo trauma que vem depois da infância não conta, porque a gente já entende que provavelmente a situação foi causada por algum babaca. De qualquer forma, eu sempre me senti aliviada de não ter o trauma das orelhas de caderno. "Não escreve com o cotovelo em cima do caderno porque se não fica cheio de orelha!"
Meu caderno não tinha orelha, porque eu não escrevo com a mão que tem a pintinha torta.
